As Metodologias Antropológicas ao Serviço das Data Sciences: Sustentabilidade Humana e Ambiental na Produção e Análise de Dados
Laure Garrabé, professora do Departamento de Antropologia e Museologia, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da Universidade Federal de Pernambuco, é a coordenadora responsável pelo projeto “As metodologias antropológicas ao serviço das data sciences: sustentabilidade humana e ambiental na produção e análise de dados”. A iniciativa conta com o financiamento da Ameciclo (Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife), e o apoio administrativo da Fade-UFPE.
O projeto de pesquisa e inovação está inserido na área de Antropologia, Estudos em Ciência e Tecnologia, na interface com a Ciência de Dados. Por meio do uso de open data – dados coletados em código livre e em acesso livre –, o trabalho objetiva apresentar soluções metodológicas para a mobilidade urbana e a logística cicloviária na Região Metropolitana de Recife (RMR). Com isso, pretende-se avaliar as conexões entre humanos e não humanos – no caso bicicletas, ciclofaixas, o planejamento urbanístico, ciclistas, pedestres e motoristas, IoT (Internet das coisas) e tecnologias digitais mobilizadas para as práticas ciclistas – na apreensão da cidade como “assemblages urbanos”, desenvolvendo modos de existência (ao mesmo tempo bio-sócio-técnicos) específicos às infraestruturas urbanísticas criadas por essa interconexão.
Essa análise se integra às ciências participativas no âmbito de uma modelização mais “humana” e “democrática” das ditas smart cities, via proposições metodológicas consagradas à proposta de uma política pública para o ciclismo na RMR, considerando problemáticas ecológicas, de planejamento urbanístico, sanitárias e de segurança pública. Neste sentido, o projeto possui o potencial de inspirar metodologicamente outras iniciativas para cidades inteligentes, já que este é, por sua vez, alimentado por metodologias compartilhadas em iniciativas similares a nível global.
Nota-se que o ciclismo é uma ferramenta de educação popular bastante acessível, segura e de justiça coletiva. A prática contribui com a promoção da saúde, diminui os congestionamentos estruturais do tráfego e os riscos gerados pelos veículos motorizados. Assim, é fundamental que as estruturas cicloviárias se integrem ao planejamento urbanístico das cidades para favorecer as circulações de todos, de todas as inteligências, e consequentemente, do próprio desenvolvimento da cidade para todos os cidadãos. Logo, a metodologia experimental do projeto participa de um ecossistema digital que visa impulsionar o crescimento da sustentabilidade ambiental e econômica da RMR, com o objetivo de que, ainda em 2024, o novo Plano Cicloviário da RMR esteja elaborado a partir de prerrogativas humana – e ambientalmente sustentáveis.
Ciclovias com infraestrutura sustentável fazem parte da luta pelos direitos dos cidadãos. Por isso, as estruturas serão desenhadas a fim de atender os valores sanitários, econômicos, de segurança e ambientais, por meio do levantamento de dados institucionais, estatísticos e de pesquisas de campo. Dessa forma, a proposta do trabalho implica diretamente duas áreas de Tecnologias Prioritárias elencadas pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), do Governo Federal: Tecnologias Habilitadoras (Inteligência Artificial e IoT) e Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável (Cidades Inteligentes e Sustentáveis).
Com isso, pretende-se utilizar data mining, mineração de dados, em código livre e aberto, com participação direta das comunidades da RMR via Pesquisa-Ação Participativa (PAR) nas metodologias propostas. O intuito geral da estratégia institucional do PPGA (Programa de Pós-Graduação em Antropologia), em sua participação no Programa MAI-DAI – Programa de Mestrado e Doutorado Acadêmico para Inovação, é de favorecer as metodologias consagradas da Antropologia em projetos de inovação das áreas da Ciência de Dados e IoT, usando tecnologias tais como big data (dados massivos) e open data (dados abertos), a fim de propor modelizações (data mining, elaboração e tratamento de dados massivos) ao serviço de políticas públicas e produtos com prerrogativas de sustentabilidade humana e ambiental.
O estudo desenvolvido problematiza a fratura numérica no Brasil e na RMR, através do debate big data versus thick data. Ou seja, como a elaboração de dados massivos, visando a organização social através de cálculos probabilistas, favorecendo o estabelecimento de padrões de ação, escolhas e ideologias e caracterizados pelo capitalismo de vigilância, pode humanizar-se com princípios metodológicos da investigação densa e qualitativa, caracterizada pela consideração da complexidade da relação dos humanos com a diversidade dos seus ambientes bio-sócio-técnicos. Estuda também, localmente, as características de projetos de inovação fundamentados no desenvolvimento de tecnologias digitais e dirigidos para a sociedade, privilegiando a realidade da politização dos dados que tais iniciativas exigem para o desenvolvimento de cidades inteligentes.
Assim, o projeto analisa fronteiras permanentes e dinâmicas entre as áreas da Antropologia, Ciências Humanas, e Tecnologia e Inovação. As modelizações obtidas serão compartilhadas na medida em que forem observadas a sua eficiência, ou seja, contribuir com a melhora dos serviços públicos. Ademais, discentes e pesquisadores serão chamados para estimular a produção de metodologias e produtos em colaboração com estas áreas, a fim de cooperar com a disseminação desses novos estudos na área da Antropologia, no Brasil e no mundo.